quinta-feira

Não sei perder


Não sei lidar com a perda. Simplesmente não sei. A gente costuma achar que a repetição de eventos nos leva a uma experiência exemplar, mas é bem verdade que isso não acontece, ainda não sei lidar com a perda. Perder um elástico de cabelo já é um horror, pois todos os dias que meu cabelo me incomodar eu vou me lembrar desse infortúnio. Perder ônibus, cacete, como eu detesto. Xingo até a Quinta geração do motorista. Perder a hora. Certo, por esse a culpa é exclusivamente minha, mas ainda sim é algo que eu não sei lidar, não dá para voltar no tempo. O pior dessa lista, o número um das paradas, é perder uma pessoa.
Aprendi cedo a perder pessoas. Primeiro da lista, meu pai. Não sei bem se entendi a força daquilo na época, eu tinha 8 anos. Vi que ele sofreu o acidente, vi que foi levado, e recebi a notícia horas depois de que ele não voltaria mais para casa. Mas eu tinha 8 anos. No dia seguinte ao enterro, eu estava brincando com meu amigo. Quem via aquela menina de 8 anos poderia pensar “Uau, essa sim sabe seguir em frente” ou “Ah, ela não entende o que está acontecendo”. E 16 anos mais tarde eu estaria chorando por não ver seu rosto sorridente na minha formatura. Dizem que a dor de perder alguém acalma com o tempo, eu acho que ela só acentua com o tempo.
Não muitos anos mais tarde foi meu avô, a maior caricatura desse “papel” na minha árvore genealógica. O que me levou para pescar, que me contou histórias da sua infância, que me recebia todas as férias e dava o abraço mais apertado de todos sempre. O “jogador de canastra”. Eu podia ser um pouco mais crescidinha, mas que diferença fazia? Mais um estava indo. No dia do seu enterro eu desandei a andar pelo cemitério, só por andar. Não foi de caso pensado, não queria ser pirracenta, só queria andar. Isso acabou, anos mais tarde, se tornando meu maior aliado, o caminhar. Para quem não entendeu, só assiste Procurando Nemo e espera a Dory começar a cantar “Continue a nadar”. O sentimento é o mesmo.
Depois que atingi a adolescência, parecia que a perda podia bater no meu peito e refletir pra longe (Como recalque, talvez). Perdi respeitos. Perdi vergonhas. Perdi coragens. Mas eu não estaria preparada para, ao atingir a vida adulta, perder minha melhor amiga (Calma, a pessoa não morreu). Ela só era a pessoa com quem eu fazia de tudo, contava tudo, poderia esperar ouvir de tudo, mas nunca esperaria que acabássemos do jeito mais idiota possível, por uma soma de mal entendidos. Era a amiga do “Bora? Bora!”, do silêncio mais instrutivo de todos. Foi duro perder essa preciosidade. Tá aí uma perda que eu nunca soube lidar. Outro dia, uns bons anos depois, até a encontrei na rua e minha reação foi automática, virei o rosto para fazer qualquer outra coisa depressa. A vontade era de ir correndo até ela e dizer o quanto ela me fazia falta, mas e o medo daquele silêncio gostoso que tínhamos ter se tornado um silêncio incômodo? Optei por não pagar para ver e a vida seguiu. Como lidar com isso?
Outras perdas aconteceram, obviamente. O amor da minha adolescência (Foi o sentimento que morreu). Mais dois avós. Minha paixão (Esse me obrigaram a perder). Já tenho uma vasta experiência até, diversas as áreas, mas ainda estou esperando o manual cair do céu, o manual do “Como lidar?”. As primeiras palavras desse livro, um prefácio escrito por um sábio no calibre de Dalai Lama ou David Coimbra, seriam algo como “Seja bem-vindo ao mundo dos vivos. Antes de começar a sua jornada, gostaria de te lembrar de uma regra básica: Tudo (e, principalmente, todos) ao seu redor tem um prazo de validade. Aproveite da melhor maneira possível pois, quando chegar o momento de partir ou deixar ir, você saber que valeu a pena. O que acontece depois disso você vai aprender a entender nesse livro”.

Nenhum comentário: